A ciência como nós a conhecemos tem uma característica fundamental: ela precisa estar baseada em evidências. Mais do que isso: precisa estar baseada em evidências que são reproduzíveis se o método empregado for seguido à risca.
Quando cientistas fazem experimentos físicos e quiímicos, controlar as condições desses experimentos pode ser muito difícil, mas certamente, são muito menores as variáveis com as quais eles precisam se preocupar para que o resultado de uma experiência seja igual a outra realizada sob mesma condição quando comparamos esses experimentos físicos e químicos a experimentos psicológicos. Vamos nos lembrar que enquanto a física lida com a matéria inanimada, a psicologia lida com pessoas, mentes e cérebros sim, muito parecidos, mas também extremamente diversos.
"Mas nossa, você disse experimentos psicológicos... Esse termo não é um pouco estranho?" Sim, é um pouco estranho aos nossos ouvidos, mas ele não deixa de representar uma realidade. A Psicologia, sendo uma ciência tal como a física, a química, a matemática, e muitas outras, precisa seguir seus critérios para que seja válida da maneira apropriada. Nesse sentido, os achados dentro de uma investigação ou intervenção em Psicologia são de fato valiosos em larga escala somente quando eles podem ser universalizados e aproveitados por outros praticantes dessa ciência, tal como é nos campos das ciências exatas citadas. Em outras palavras: a psicologia deve se preocupar, em grau de importância semelhante a outras diversas ciências exatas e biológicas, com os achados e efeitos reais de sua atuação, de modo que esses sejam práticos e efetivos não apenas em um ou dois casos, mas na maioria deles.
Esse objetivo, no entanto, por muito tempo, ficou em segundo plano. Chegou-se ao ponto de que se publicou um estudo, em 1952, no qual evidencia-se que as terapias da época, freudianas ou não, simplesmente não promoviam, de maneira sistemática, evoluções nos quadros clínicos de pacientes. O que seria a psicologia então? Se suas intervenções não promoviam evoluções na saúde mental dos indivíduos tratados, qual seria o valor desse campo da saúdew? Zero. Isso mesmo. Nesse caso, a psicologia teria 0% de valor científico enquanto intervenção clínica. É por que todos os psicólogos da época eram incompetentes e burros? Não, certamente eram pessoas muito inteligentes. O problema é que não estava no rol de preocupações da maioria deles pensar uma psicologia que abandonasse práticas metafísicas e se pautasse, estritamente, no objetivo da melhora efetiva e sustentada do quadro clínico dos pacientes.
Uma pessoa pensou diferente.
Durante a década de 70, o psiquiatra Aaron Beck, durante suas buscas para compreender alternativas de tratamento para a depressão que não fossem farmacológicas mas mantivessem um bom grau de efetividade, desenvolveu o que ficou conhecido como Terapia Cognitiva (hoje, evoluída para a Terapia Cognitivo-Comportamental ou TCC). Ao contrário de seus pares comprovadamente não efetivos em larga escala, a Terapia Cognitiva foi efetiva em melhorar os níveis de depressão de uma gama de pacientes, conforme publicado em um estudo do próprio Beck em 1977. Esse estudo demonstrou, inclusive, que esses pacientes obtiveram uma melhora, em alguns casos, melhores que o tratamento farmacológico. Mais do que isso, em um estudo de follow-up após 6 meses, esses pacientes mantinham boa parte dos ganhos ao término da intervenção, demonstrando que a Terapia Cognitiva promovia (e promove) efeitos reais e que se sustentam com o tempo.
Hoje, a Psicologia Baseada em Evidências (PBE) recomenda o uso da Terapia Cognitivo-Comportamental à enorme maioria dos pacientes com transtornos mentais, desde a depressão, à ansiedade, a bipolaridade, o TDAH, transtornos de aprendizagem e outros. Ao mesmo tempo, o uso de terapias que carecem de efetividade científica tem sido cada vez mais raro quando se pensa uma intervenção séria e eficaz para se lidar com transtornos mentais.
Daí enxergamos a importância da evolução da Psicologia para se enquadrar no campo científico. De uma ciência quase sem valor a um campo do saber essencial para a saúde pública, foi justamente o valor científico, fornecido a partir do desenvolvimento de um método que gerasse evidências de melhoras clínicas sustentáveis, que a Psicologia e, sobretudo, a abordagem da TCC, puderam ser enxergadas como ferramentas de peso para a diminuição dos sintomas oriundos de transtornos mentais, bem como para a otimização da performance mental de uma vasta população. A TCC, sendo uma abordagem que se mostra efetiva ao longo do tempo, de situações e de populações diferentes, nesse sentido, pode ser uma verdadeira fonte de cura quando bem aplicada por profissionais competentes.
Reside aí o valor da ciência e do método científico para o desenvolvimento da Psicologia e de seus métodos de intervenção. Que saibamos sempre reconhecer isso!
Texto revisado pela Neuropsicóloga Patrícia Zocchi
CRP: 06/77641
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